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Tribuna Do Norte – Falta De Registro Cartorial Não Invalida A Alienação Fiduciária Em Garantia

Desde o advento da Lei 9.514/1997, por meio da qual se criou o Sistema Financeiro Imobiliário, os mercados imobiliário e bancário passaram a se valer da alienação fiduciária como garantia em operações de compra e venda de imóveis e de empréstimos bancários para a aquisição de imóveis. Com efeito, a alienação fiduciária consiste no direito de garantia, pelo qual o devedor transfere, com o escopo de garantia, a propriedade fiduciária em favor do credor.

Diante da previsão de distintos regimes nas legislações especiais – Decreto-lei 911/1969, Lei 9.514/1997 e Código Civil/2002 -, surgiu relevante discussão doutrinária e jurisprudencial se o registro do contrato de alienação fiduciária perante o cartório de registro de imóveis constituiria, ou não, condição de validade e de eficácia para a produção dos efeitos entre as partes. A propósito, as mencionadas leis especiais não adotam tratamento uniforme sobre o assunto, eis que ora exigem o registro para a constituição da alienação fiduciária em garantia (Código Civil, em seu art. 1.361, §1º, e a Lei 9.514/1997, em seu art. 23), ora não exige o registro para a constituição da alienação fiduciária em garantia (Decreto-lei 911/1969, em seu art. 1º).

Essa discussão tem importância fundamental para saber qual o regime jurídico aplicável em caso de extinção por inadimplemento pelo devedor da dívida, isto é, se se aplica a execução extrajudicial da garantia própria da alienação fiduciária, ou se se aplica o regime do Código do Consumidor diante da ausência do registro. No último dia 27.09.23, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria apertada de votos, no EREsp 1.866.844, relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, dirimiu tal discussão, oportunidade em que assentou o entendimento de que a ausência do registro do contrato de alienação fiduciária em garantia no cartório de registro de imóveis não lhe retira a validade e a eficácia entre as partes do contrato, eis que o registro visa, única e exclusivamente, à produção de efeitos perante terceiros.

Com o referido entendimento, fixou-se a tese de que, independentemente do registro do contrato perante o cartório de registro de imóveis, o bem adquirido, que é objeto da garantia real, se submete ao regime jurídico da alienação fiduciária em garantia. No cenário da alienação fiduciária em operações de compra e venda de imóveis, o comprador adquire o imóvel, valendo-se dos recursos oriundos do financiamento imobiliário e, ato contínuo, transfere a propriedade resolúvel do bem para o credor (instituição financeira) que lhe disponibilizou o crédito.

Permanecendo na posse direta do imóvel, o comprador somente vem a readquirir a propriedade sobre o bem por ocasião da quitação da dívida. Entretanto, caso a dívida não seja paga (inadimplência do empréstimo), a legislação da alienação fiduciária em garantia prevê que o devedor deve ser constituído em mora, mediante notificação extrajudicial, com vistas à realização do leilão extrajudicial do bem objeto da garantia.

De acordo com o voto vencedor proferido pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, o contrato de alienação fiduciária, ainda que desprovido do registro perante o cartório de registro de imóveis, é válido e eficaz entre as partes (credor/instituição financeira e devedor/comprador), inclusive alcançando a validade da cláusula contratual que autoriza o leilão extrajudicial do bem em caso de inadimplência, de modo que o registro serve apenas ao propósito de conferir direito real oponível a terceiros.

Por conseguinte, prevalece a sistemática do leilão extrajudicial prevista na legislação especial, que é própria da alienação fiduciária em garantia, não sendo aplicável o regime do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque admitir a rescisão do contrato de alienação fiduciária de bem imóvel com base nas normas de proteção ao direito do consumidor seria desvirtuar por completo o instituto da alienação fiduciária que certamente cairia em desuso em prejuízo dos próprios consumidores de imóveis.

Foto: Magnus Nascimento


Fonte: Tribuna do Norte

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